No meu copo 39 - Conde d’Ervideira Reserva 2003

Eu já tenho esta impressão há alguns anos: há demasiadas marcas de vinho no Alentejo. Não é só no Alentejo que isso acontece, no Douro também há uma enorme proliferação de marcas e produtores, mas neste caso é do Alentejo que se trata porque fiz uma prova de mais um vinho alentejano que não conhecia.

Há uns 10 anos, os vinhos do Alentejo estavam distribuídos por um conjunto de produtores conhecidos e com nome firmado no mercado, que eram pontos de referência em cada região. Havia a Adega de Alvito, Cuba e Vidigueira na Vidigueira, a que se juntou depois a Sogrape começando a produzir o Vinha do Monte, antes de encetar a aposta recente na Herdade do Peso; havia a Adega Cooperativa de Borba e a Sociedade de Vinhos de Borba, que repartiam entre si os vinhos daquela região; havia a Cooperativa Agrícola de Reguengos de Monsaraz (CARMIM), a Herdade do Esporão e a Casa Agrícola José de Sousa Rosado Fernandes, entretanto adquirida pela José Maria da Fonseca, em Reguengos; havia a Adega Cooperativa e a empresa Roquevale no Redondo; havia a Fundação Eugénio de Almeida na Herdade da Cartuxa em Évora; a Adega Cooperativa de Portalegre e também a José Maria da Fonseca em Portalegre. Depois havia ainda a Cooperativa de Granja-Amareleja, com uma produção menos significativa, assim como uns produtores mais pequenos que compunham o panorama, mas o consumidor orientava-se mais ou menos por estes nomes.

Quando o Alentejo passou à categoria de Denominação de Origem Controlada nas regiões citadas, o número de produtores começou a crescer. A área plantada de vinha cresceu significativamente, começaram a aparecer vinhos integrados naquelas sub-regiões mas com proveniências diferentes (como os de João Portugal Ramos que se começou a afirmar a partir das suas vinhas em Estremoz, pertencente à sub-região de Borba), sendo que chegou a constar que no Alentejo não havia vinha para tanto vinho. Até se dizia que muitas das uvas eram provenientes da região de Setúbal/Palmela.

A verdade é que nos anos mais recentes a área de vinha no Alentejo aumentou para mais do dobro, os novos produtores nasceram quase como cogumelos e as prateleiras dos supermercados foram inundadas de novas marcas de vinhos alentejanos, numa proliferação impossível de acompanhar mesmo pelo consumidor mais atento. Praticamente todos os meses arriscamo-nos a olhar para uma garrafeira e encontrar lá mais uma marca desconhecida. Toda a gente quer produzir o seu vinho no Alentejo e toda a gente se acha capaz de fazer o melhor vinho do Alentejo. Enólogos conhecidos e outros nem tanto, lá vão aparecendo a fazer consultoria numa ou mais empresas alentejanas. Pode-se dizer que quase já não há um canto no Alentejo onde não se faça vinho, e olhem que todo o Alentejo ocupa cerca de 1/3 do território nacional. Ferreira do Alentejo, Serpa, Mértola, Arraiolos, em todo o lado se faz vinho. No site Vinhos do Alentejo, só em tintos, entre vinhos de colheita, reserva, garrafeira e varietais, encontram-se mais de 250 produtos diferentes, contando com as diferentes variedades produzidas na mesma empresa. Só a Herdade do Esporão e a Carmim, para citar dois dos meus produtores preferidos, têm mais de 20 produtos cada. E há muitos outros nomes que até há pouco tempo eu nunca tinha visto, só que nem todos podem ser Esporão, Carmim ou Sogrape...

É um exagero. A questão que eu me colocava muitas vezes era esta, muito simples: será que tanto vinho pode vir trazer algo de realmente novo ao mercado? Aqueles que tenho provado nos últimos anos dizem-me que não. Nas feiras de vinhos vou aproveitando para comprar alguns que não conheço e à medida que os vou provando chego à conclusão que o que vale a pena é continuar a apostar naqueles que já conheço e de que gosto. Os exemplos são inúmeros, até em casos de produtores que se dão ao desplante de lançar um vinho novo no mercado, sem terem nome feito, a 25 euros, como aconteceu com o primeiro vinho de Francisco Nunes Garcia! Estive a ver os meus registos de provas e encontrei cerca de 90 vinhos tintos alentejanos diferentes (com repetições do mesmo vinho para anos diferentes, naturalmente, mas contando apenas os produtos diferentes). Nas nossas escolhas temos 36 tintos alentejanos, e na lista dos indispensáveis na minha garrafeira tenho 21. No meio disto pergunto: se já conheço cerca de 90 e tenho 20 referenciados como obrigatórios para mim próprio, será que me serve de alguma coisa conhecer mais outros 90? Quantos é que eu iria aproveitar daí? E como é possível, em tantas marcas, criar vinhos diferentes dos que já existem?

Já provei um Monte da Ravasqueira, do empresário Manuel Mello, que tinha a pretensão de criar “O” vinho do Alentejo, e não me agradou aquilo que provei; já provei alguns de Cortes de Cima, e nenhum deles me pareceu nada de especial (e se eles os vendem caros!); provei agora um Conde d’Ervideira Reserva de 2003, de que há uns 2 anos já tinha provado uma outra variedade, e não me trouxe nada de novo em relação às dezenas que já conheço. Se é verdade que muitas vezes da quantidade nasce a qualidade, também é um facto que com quantidade excessiva acaba por se cair na vulgaridade. E pelo que tenho visto, a maioria destes novos vinhos acabam por cair nisso mesmo: a vulgaridade, sem acrescentarem nada de verdadeiramente relevante e interessante àqueles que já existem. Muitos deles acabam por ser apenas “mais um”. Foi o que me pareceu este Conde d’Ervideira, uma garrafa de cerca de 10 euros comprada em promoção com a Revista de Vinhos por 5,95 €. Já a experiência anterior não me tinha deixado saudades e este voltou a dar a mesma impressão. É um vinho que, apesar de ostentar no rótulo a menção a uma medalha, me pareceu demasiado vulgar para que se fale dele. Não o achei bom nem mau, não me provocou nenhuma sensação especial. Por isso acho que vou esquecê-lo rapidamente, e lembrar-me apenas de que não vale a pena comprá-lo. Por este preço há muito melhor.

Kroniketas, enófilo esclarecido

Vinho: Conde d’Ervideira Reserva 2003 (T)
Região: Alentejo (Reguengos)
Produtor: Ribeira da Ervideira
Grau alcoólico: 13,5%
Preço: cerca de 10 €
Nota (0 a 10): 5

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