Um passeio pelo Dão - 1

Almoço na Quinta da Espinhosa


  
     

Respondendo ao desafio do Pingus Vinicus, no âmbito de mais uma iniciativa do grupo do Facebook #daowinelover, no fim-de-semana de 19 e 20 de Outubro desloquei-me ao Dão para um almoço com alguns dos irredutíveis amantes do vinho do Dão, que andam à procura de vinhos diferentes e de relíquias do antigamente. Aliás, o próprio tema do encontro era subordinado aos vinhos do século XX: cada participante, para além do custo do repasto, estava comprometido a contribuir com uma garrafa de vinho do Dão do século XX.

Desta vez nenhum dos comparsas do costume se disponibilizou para alinhar na iniciativa, pelo que a deslocação se fez, pela primeira vez, em formato de casal. Aproveitando uma oferta surgida do nada, pernoitei durante o fim-de-semana com a minha mulher no Hotel Senhora do Castelo, situado no cimo dum monte em Mangualde, mesmo ao lado do santuário com o mesmo nome. Dificilmente o local poderia ser mais adequado, pois ficámos mesmo no coração da região demarcada do Dão, com acesso rápido à maioria das localidades onde se situam produtores e quintas de referência.

A viagem decorreu na 6ª feira à noite sob um temporal incessante, que se prolongou ao longo de todo o trajecto até à chegada a Mangualde. O Pingus Vinicus tinha-me dito que era fácil encontrar o hotel, bastava olhar ao longe até encontrar a cruz do Santuário da Senhora do Castelo... Mas com o céu carregado como estava, não se via além de 100 metros, pelo que santuário... nem vê-lo. Mas lá conseguimos chegar ao monte da Senhora do Castelo já para lá da meia-noite, na esperança de que o dia seguinte nos brindasse com alguma acalmia.

O amanhecer revelou-nos o esplendor do local. Em frente à janela do quarto, estendendo-se ao longo do horizonte, a Serra da Estrela marcava a paisagem para nascente. Do cimo do monte tem-se uma vista privilegiada sobre toda a zona circundante e lá em baixo avista-se Mangualde, a A25 e toda uma zona mais ou menos plana por entre as serras que caracterizam a região.

O encontro estava marcado para o meio da manhã na Quinta da Espinhosa, em Vila Nova de Tázem, onde iria decorrer o convívio e o almoço. Tomado o caminho para Gouveia, entrámos rapidamente em zona de serra e estradas sinuosas, serpenteando por entre vinhas, olivais e floresta, passando por algumas localidades com a traça típica da Beira Alta, com as suas casas de pedra. Por entre subidas e descidas várias, lá chegámos em menos de meia-hora a Vila Nova de Tázem e encontrámos a Quinta da Espinhosa, onde foi possível conhecer uma boa parte dos convivas com quem habitualmente vamos trocando impressões no grupo do Facebook.

Desde logo atacámos a mesa onde os vinhos iam sendo expostos. Tendo esgotado as relíquias que ainda restavam na garrafeira, só me restou recorrer a um exemplar do Dão Sogrape Reserva 99 que tinha sido adquirido há uns meses através duma encomenda na garrafeira Néctar das Avenidas. À volta da mesa de petiscos foram-se trocando impressões, obtendo informações de alguns produtores presentes (Luís Lourenço, da Quinta dos Roques, já lá estava e foi um dos animadores de serviço), debicando aqui e ali até ser tempo de sentar à mesa de almoço, onde pudemos entreter-nos com um cabrito feito à moda da casa e ir rodando pelos vinhos que estavam à disposição.

Na impossibilidade de provar todos os vinhos, resta dar algum destaque àqueles que mais me marcaram. Excelentes um Quinta dos Roques 1990, um 1996 do Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão, um Meia Encosta Garrafeira de 1995 e, aparecido já com o almoço a decorrer, um Porta dos Cavaleiros 1983, adquirido pela Joana Marta e pelo Pedro Moreira às Caves São João. Um daqueles à moda antiga, espantoso na saúde dos seus 30 anos! Já em final de repasto, um Colibri Presidencial branco de 1980 fez a sua aparição à mesa, também pleno de saúde e aromas. Foi assim baptizado em homenagem à visita do Presidente da República à Quinta da Espinhosa, em 1980, e bem mereceu o nome porque estava digno de um presidente ou de um rei!

Para finalizar ainda circulou pela mesa um licoroso da Quinta da Falorca de 2010, que em nada desmerece na comparação com alguns vinhos do Porto mais comuns, para acompanhar leite-creme, arroz doce, castanhas e maçãs assadas (estamos na terra da maça bravo de esmolfe).

Terminado o repasto, era altura de regressar à base, a Mangualde, pois o programa para o resto do dia ainda ia a meio. Os restantes convivas ficaram até à noite, todos na boa companhia uns dos outros.

Resta-me agradecer ao Pingus Vinicus por mais esta iniciativa em prol dos vinhos do Dão, que à semelhança de outras nos vão ajudando a redescobrir as preciosidades que ainda andam por aí, e nos permitem beber vinho sem ter de “gramar” com 14 graus de álcool a cada passo que damos. Assim tenhamos oportunidade de encontrá-las.

Kroniketas, enófilo itinerante

Comentários