O gosto formatado e a ZLTN



Não sei se repararam, pelo menos aqueles que lêem a Revista de Vinhos, mas na página 32 da edição de Novembro, dedicada às “notas soltas”, vêm dois apontamentos que vale a pena transcrever, com a devida vénia, e ler.

Num deles João Afonso fala do “gosto formatado” pelos vinhos da moda actual, sempre iguais. No outro Luís Lopes escreve em defesa da criação de uma ZLTN, Zona Livre de Touriga Nacional, que já qualifica quase como uma epidemia que alastrou a todo o território nacional e invadiu todo e qualquer vinho. Diz ele que depois da prova de vinhos do Douro já deitava Touriga Nacional pelos olhos mas que a prova de tintos do Alentejo, deste número, não lhe aliviou, pelo contrário, a “touriguite aguda” de que já padecia.

De facto, valia a pena criar uma Zona Livre de Touriga Nacional para ver se voltávamos a beber vinhos diferenciados outra vez. Não há cão nem gato que, seguindo a moda do gosto formatado, não queira pôr o seu vinho a cheirar a flores. Já chateia. Num país que tem a bênção de possuir um território diversificado, com diferentes solos e climas que permitem a produção de vinhos tão diferentes entre os Vinhos Verdes, Douro, Dão, Bairrada, Estremadura, Ribatejo, Península de Setúbal, Alentejo e Algarve, porque raio é que se há-de apostar sempre na mesma casta em vez de tentar realçar as castas mais típicas de cada região, como Aragonês, Trincadeira, Tinta Caiada, Baga, Castelão, Alfrocheiro, Jaen, Touriga Franca, Tinto Cão ou Tinta Barroca, por exemplo? Estaremos condenados à touriguização do país?

Na página 84 da mesma edição, na introdução à prova de tintos do Alentejo, João Afonso volta ao tema da “cada vez mais ubíqua Touriga Nacional” e conta que num almoço com duas dezenas de convidados um “conhecido crítico de vinhos” dizia que a Trincadeira não é uma casta para o Alentejo, argumentando que não conhece nenhum bom vinho alentejano da casta Trincadeira. E acrescentava que o Aragonês também não é uma casta do Alentejo!!! Dizia o tal crítico que as castas alentejanas são a Cabernet Sauvignon, a Syrah, essas... Claro, as mesmas da África do Sul, da Califórnia, do Chile, da Austrália, da Nova Zelândia (e como eu gosto de Cabernet...). E remata João Afonso (de novo com a devida vénia): “Parece que não são só as vinhas que estão a mudar. As mentalidades, o credo e a prosápia também. E nós – cansados de apregoar lá fora que somos diferentes porque temos castas diferentes – estamos cada vez mais parecidos com aqueles com quem não nos queremos parecer”.

Ao ler isto fico a pensar que o tal crítico (que é capaz de ser um pateta ou um convencido que se acha importante... ou as duas coisas) deve perceber menos de vinhos do que eu e talvez fizesse bem em mudar de vida... E será que alguém lê o que ele escreve? Ou será que já desistiu de escrever para o grande público?

Kroniketas, enófilo ignorante

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