E pur si muove*


Tal como a Terra em 1633, o mundo vínico português move-se.

Primeiro foram as castas que começaram a migrar, de norte para sul, principalmente (Touriga Nacional, Touriga Franca, Alvarinho...), de sul para norte e até das ilhas para o continente (Verdelho).

Mais recentemente foram os próprios produtores que começaram a migrar para fora da sua região de origem. Para além de algumas marcas que já eram multi-regiões (como a Borges, a Aveleda, a Dão Sul/Global Wines e acima de todas as Sogrape), começámos a assistir a uma nova vaga de investimentos fora da sua “zona de conforto”. O Esporão já tinha adquirido a Quinta das Murças no Douro e João Portugal Ramos já se tinha associado a José Maria Soares Franco para expandir a sua produção para o Douro Superior com o projecto Duorum na Quinta de Castelo Melhor.

Mas agora tudo mexe. A Aveleda, com sede em Penafiel e maior produtor na região dos Vinhos Verdes, e também com produção no Douro e na Bairrada, viajou para o Algarve, onde já produz um vinho chamado Villa Alvor na Quinta do Morgado da Torre, um velho conhecido pelo vinho Alvor Singular (vi a nova marca à venda mas não comprei). A Sogrape, que já estava estabelecida na zona da Vidigueira com a Herdade do Peso, saiu da planície para a serra de São Mamede tendo adquirido a Richard Mayson a Quinta do Centro, nos arredores de Portalegre, mas antes já tinha entrada na região de Lisboa com a compra da famosa Quinta da Romeira, em Bucelas, à Wine Ventures. Quase ao mesmo tempo, também a Fundação Eugénio de Almeida saiu da planície de Évora e da Adega da Cartuxa para a serra e comprou a Tapada do Chaves à Murganheira.

Mas não é tudo, porque o apelo da serra de São Mamede parece ter tomado de assalto a fileira do vinho, com um terceiro player a estabelecer-se ali pela mão da Symington, na nova Quinta da Fonte Souto. E assim temos três novos produtores a fazer vinho em Portalegre!

Mas também há quem migre para norte. A Casa Ermelinda Freitas deixou as areias de Palmela e expandiu-se para os Vinhos Verdes, com a aquisição da Quinta do Minho, em Póvoa de Lanhoso, à Super Bock. Percurso semelhante fizeram os irmãos Serrano Mira, que da planície de Estremoz, onde há séculos a família detém a Herdade das Servas, partiram para a aquisição da Casa da Tapada, em Amares.

Certamente há mais destes movimentos migratórios para referir, mas estes foram os que pude acompanhar quando foram noticiados. Perante tal dimensão de investimentos (só a Aveleda está a investir 7 milhões de euros para incluir um projecto de enoturismo na Penina), é com elevada expectativa que aguardo pelos novos vinhos que irão surgir. Os vinhos do Algarve estão a precisar dum novo fôlego (falaremos disso num próximo post), e os de Portalegre têm gozado de mais fama do que proveito, pois a produção tem muita qualidade mas a quantidade é limitada – a Tapada do Chaves e a Adega de Portalegre (também recentemente renovada com novos proprietários) são os mais conhecidos mas são quase vinhos de nicho, e os restantes têm um alcance muito limitado.

Aguardemos, pois, pelo que os novos investimentos nos vão trazer. Pelo que se conhece dos nomes citados, espera-se qualidade garantida.

Kroniketas, enófilo itinerante

* “E no entanto ela move-se!”
Frase atribuída a Galileu Galilei, que a teria murmurado entre dentes quando teve de abjurar perante o tribunal da inquisição, em 1633, a sua tese de que a Terra girava à volta Sol e não o contrário, como era crença na época, para não ser queimado na fogueira.

Comentários